domingo, 22 de março de 2015

Amor Bandido


Era noite de sábado. Ela olhou no relógio pela terceira vez desde que chegara, há meia hora atrás. Olhando ao redor, observou as diversas pessoas ali presentes que balançavam seus corpos ao som da música alta, sob a luz neon. Homens recém-barbeados circulavam pelo local em busca de mulheres solteiras e adeptas ao sexo sem compromisso. Ela conhecia bem aquele tipo, e o melhor de tudo: eram alvos fáceis. Observou uma loira peituda que se acomodou ao seu lado. Em seus lábios havia uma quantidade considerável de gloss labial. Ela mascava chiclete e projetava os seios para a frente de forma teatral, tentando de alguma forma, chamar atenção.
Tola. Provavelmente dormiria com o primeiro que lhe pagasse uma cerveja e choraria logo após perceber que ele não ligaria para ela como prometera, arrependida e envergonhada, continuaria chorando por uma semana, saindo no sábado seguinte para fazer tudo novamente.
Ela fora assim um dia. Mas diferente da moça siliconada sentada ao seu lado, aprendeu a lidar com situações como aquela de uma forma diferente.
Bebericou sua soda que já estava quente e então olhou novamente no relógio. Este não era nada pontual. Odiava homens assim.
Dez minutos depois, uma figura de estatura mediana e cabelos castanhos adentrou a boate. Ele não era nem magro nem gordo, era do tipo atlético – deveria fazer exercícios físicos constantemente – ela notou. Até que era bonito, com seus olhos escuros e covinhas surgindo em suas bochechas quando sorriu para ela sedutoramente.
Lembrou-se de quando ainda estava na faculdade e um rapaz de covinhas iguais àquelas exibia um largo sorriso para ela toda vez que a via. Na época era ingênua e sentia-se feia o suficiente para sequer cogitar que havia algum tipo de interesse em suas atitudes.
Ela retribuiu o sorriso, tentando parecer animada. Se cumprimentaram e então notou o cheiro de colônia masculina, ele tinha um bom gosto.
- Desculpe-me pela demora. – sorriu novamente, expondo uma fileira de dentes perfeitamente brancos e bem alinhados. – tive um contratempo.
- Espero que não seja nada muito sério. Me sentirei mal se descobrir que atrapalhei algum compromisso importante seu. – ela tentou parecer agradável e o resultado foi satisfatório quando ele se aproximou ainda mais e falou em seu ouvido.
- Nada seria mais importante do que estar com você. – ele a olhou nos olhos e por um momento ela pensou que fosse beijá-la. Porém ele se afastou relutantemente, chamando o garçom para pedir uma bebida.
Estava respeitando seu espaço. Diferente dos homens com quem costumava sair. Já se falavam havia uma semana e ele não tentara beijá-la. Aquilo de alguma forma a irritou um pouco.
Gostava dos que avançavam o sinal, e depois despejavam centenas de palavrões quando ela dizia não. Gostava de observar os olhos amedrontados que a fitavam com surpresa enquanto ela lentamente os torturava a sangue frio. Odiava a raça masculina, porém aquele sorriso com covinhas a estava deixando insegura pela primeira vez.
Já se passava da meia noite quando finalmente saíram da boate. Entraram no carro dele e então ela perguntou, com um tom sedutor na voz: - Para onde você vai me levar?
- É surpresa. – ele disse, e lá estavam as covinhas novamente – Aguarde e verá.
Ela se preparou para tudo. Motéis baratos, um apartamento de homem solteiro recém arrumado ou até mesmo um quartinho sujo de beira de estrada com camisinhas usadas penduradas na lixeira do banheiro. Mas nunca imaginou que ele fosse leva-la à praia.
A lua cheia se refletia na água calma, leves ondas molhavam seus pés a medida em que se aproximavam e ela sentiu braços firmes e quentes envolverem sua cintura.
As batidas do seu coração se aceleraram e ela se sentiu presa em sua própria teia quando ele inclinou a cabeça para a frente e uniu suas testas.
- Dance comigo. – ele murmurou.
- Mas não há música aqui.
- Não importa. Quis convidá-la para dançar desde que te vi pela primeira vez hoje, mas devo lhe confessar que não sou muito fã de música eletrônica. – riu baixinho e então os olhos dela foram instantaneamente para os belos lábios que ainda se encontravam entreabertos. Queria ser beijada. Mas resistiu ao impulso de agarrá-lo murmurando apenas um “tudo bem”.
E então eles dançaram, embalados apenas pelo leve choro do mar. Logo após, entrelaçaram seus dedos e correram em direção à agua calma e acolhedora. Não se importava se suas roupas encharcassem, nem se importava de estragar sua maquiagem. Pela primeira vez em anos ela estava se divertindo de verdade, pela primeira vez ela teve a necessidade de sentir a maciez dos lábios de alguém, pela primeira vez ela se encantava por um par de covinhas assustadoramente sexy e pela primeira vez ela se esquecia o motivo pelo qual marcara aquele encontro.
Tudo começou quando ela era apenas uma garota de dezenove anos, ingênua e tímida que acabara de entrar para a faculdade de Biologia em uma das melhores universidades.
Dali vieram as festas e – consequentemente – o primeiro porre. Lembrou da noite em que foi convidada para uma festa no apartamento de um colega de turma.
A música estava muito alta e quanto mais bebia menos lúcida ficava. Lembrou-se de no mínimo três pares de mãos percorrendo seu corpo, apertando seus seios com força o suficiente para incomodar. Não tinha forças para se desvencilhar, nem para pedir ajuda.
Acordara no dia seguinte em uma calçada fria e fétida, nua, exceto por sua camiseta manchada de vômito que ainda permanecia em seu corpo. Estava dolorida e suja.
Ao invés de passar os próximos dias chorando, ela arquitetou seu mais bem sucedido plano.
Em uma semana ela se tornara uma nova mulher. Descobrira que três de seus colegas de classe, juntamente com mais dois da turma de Direito a haviam violentado, e então lentamente e sorrateiramente ela se vingou.
Um por um. Ainda se lembrava do olhar assustado de todos eles enquanto passava a lâmina afiada de sua faca com maestria por seus membros flácidos. Não estuprariam mais ninguém se permanecessem vivos. Por sorte nenhum deles sobreviveu à tortura que ela passara dias tramando.
A partir dali, convenceu-se de que homem nenhum a tocaria novamente, e pagariam caro se tentassem. Ao todo, eram 58 vítimas e estava prestes a caminhar para a quinquagésima nona se um sorriso perfeitamente tentador não tivesse lhe tirando o ar dos pulmões.
Ele passou as mãos por seus cabelos molhados, um dedo percorreu delicadamente seu rosto e então ele depositou um leve beijo em seu pescoço. Ela se arrepiou instantaneamente e não foi por causa da água fria.
Os lábios dele percorreram a curva de seu pescoço e seguiram caminho por seu ombro esquerdo deixando uma trilha de carga elétrica por sua pele quente.
Um gemido escapou da boca dela que estava prestes a implorar por ser beijada quando ele sussurrou lenta e nitidamente em seu ouvido: - Eu também estava lá.
- O quê? – ela perguntou confusa.
- Na festa. Eu também estava lá.
Ela se recompôs da forma de pôde, tentando se concentrar no que acabara de ouvir.
- A que festa se refere? – havia uma calma ensaiada em seu tom de voz.
- Você sabe. Eu estive lá o tempo todo. Te observei, vi quando você começou a beber descontroladamente, vi quando te apalparam sem cerimônia alguma... – uma pausa. – Tentei ajudar mas você não permitiu. Eles eram cinco e eu apenas um.
Agora ela se lembrava, o garoto das covinhas que sempre sorria para ela quando se aproximava.
Uma lágrima escorreu por sua bochecha, confundindo-se com as gotículas de água do mar que ainda não haviam secado. Era muito doloroso recordar aquilo e imaginar que tudo poderia ter sido diferente.
- O que faz aqui? – ela perguntou. – Se sabe quem eu sou, provavelmente sabe o que eu faço.
- Sempre soube. Te procurei, por todos esses anos.
- Você não tem medo de mim?
Ele sorriu. – Claro que não. Você é boa demais para me fazer temer.
- Eu assassinei dezenas de homens.
- Você assassinou dezenas de pervertidos que procuravam de alguma forma abusar de você.
- Me surpreende saber que alguém além de mim pense dessa forma. – então ela sorriu tristemente, perguntando em seguida: - Então o que você fez depois que terminou a faculdade?
- Me formei em Direito. E comecei a trabalhar como advogado por um tempo.
- E agora?
Ele hesitou antes de falar e quando por fim abriu a boca, seu olhar não era mais o mesmo.
- Agora eu trabalho para a polícia.
Clack.
Instantaneamente seu sangue congelou quando um par de algemas foram fechadas com maestria em torno de seus pulsos. O metal era frio e pesado e ela teve vontade de gritar quando as mãos dele se alojaram em sua cintura, uma de cada lado, forçando-a a sair da água.
- Me desculpe por isso, querida. – em sua voz havia um resquício de... arrependimento, talvez?
- Você estava o tempo todo tramando minha prisão? – ela parecia ofendida. – Como pôde?
- Da mesma forma que você passou todo esse tempo arquitetando a minha morte. – ele riu e então ela passou a odiar fervorosamente aquele par de covinhas – Nem todos os homens se deixam levar por um belo par de pernas bronzeadas.
- Você é gay? – ela provocou.
- Claro que não. – ele não parecia irritado.
- Elas são naturais. – disse, e acrescentou ao notar sua expressão confusa: - Minhas pernas. São naturalmente bronzeadas.
- Não tenho dúvida disso.
Um sorriso lhe escapou dos lábios e ela se perguntou que merda estava fazendo. Estava flertando com ele aberta e descaradamente. Mudou a expressão do rosto imediatamente, procurando se recompor.
- Você é um filho da puta. E essa coisa está me machucando.
Ele baixou o olhar para seus pulsos presos pelas algemas prateadas.
- Aguarde só mais um instante e sairemos daqui.
- Vai me levar para o seu apartamento e finalmente me beijar? – ela provocou novamente, e mais uma vez se repreendeu em silêncio.
Ele riu.
- Boa tentativa. Agora seja uma boa moça e permaneça aqui.
E pegando seu celular e discando um número qualquer ela o viu se afastar. Não podia ouvir o que falava mas pela forma como mantinha os olhos vidrados nela, provavelmente era o tema principal da conversa.
Olhou para suas roupas molhadas. Sua maquiagem e penteado haviam se desfeito. Um grampo ainda pendia na ponta de seu cabelo úmido e uma ideia ousada lhe passou pela cabeça. Aquela seria sua única chance.
Após encerrar a ligação, ele visualizou a mulher encharcada que a essa altura já havia se ajoelhado na areia e o observava com uma expressão séria.
Mesmo com a maquiagem toda borrada criando manchas de rímel sob seus olhos verdes ela continuava linda. Ele se aproximou, falando logo em seguida.
- Levante-se. Já podemos ir.
Ela fez biquinho. – Não há uma outra forma de terminarmos este encontro?
- Talvez. Se você fosse uma boa garota.
- Não gosta das garotas más?
Ele fez que não com a cabeça e ela sorriu, mudando de posição e lhe fornecendo a visão de boa parte da pele nua - e naturalmente bronzeada - de suas pernas.
- Sente-se ao meu lado. Deixe-me aproveitar meu último momento de liberdade.
Ele a observou por alguns segundos e então resolveu se sentar ao lado dela.
Ambos não disseram nada, apenas olhavam a lua cheia e as estrelas que cintilavam no céu.
- Posso lhe fazer um pedido? – ela perguntou, seu olhar ainda permanecia fixo na imensidão de águas brilhantes diante dos dois.
- O que é? – ele murmurou, virando-se para encará-la e então seus olhos escureceram e todas as suas terminações nervosas se agitaram instantaneamente quando ela lambeu os lábios e sussurrou: - Me beije.
Em um instante ele estava a observando com feição inexpressiva, no outro ele colava seus lábios aos dela com urgência. Suas línguas se encontraram e ela se permitiu ronronar de prazer quando dedos firmes seguraram sua nuca. Recuou por um instante de forma provocativa e então ele avançou, mordendo seu lábio inferior em seguida. Uma prazerosa vingança. Sua cabeça tombou para trás e os lábios dele percorreram por seu pescoço, dentes perfeitos mordiscavam sua orelha e novamente aqueles lábios estavam depositados sobre os seus. Duro e possessivo, ela pensou. Seria uma pena que não fossem compartilhar de futuros beijos como aquele novamente.
- Doce e quente – ela sussurrou, - como eu imaginei.
E clack.
Agora era ele quem estava preso às algemas de metal. Seus olhos permaneceram vidrados no delicado rosto dela e então ele praguejou, odiando a si mesmo por permitir aquilo.
Em algum momento ela havia conseguido se libertar das algemas e agradeceu aos céus, jurando a si mesma que a partir daquele dia sairia com ao menos um grampo de cabelo na bolsa. Nunca se sabe quando um policial perfeitamente sexy tentará te seduzir com o intuito de enfiar uma algema em torno de seus pulsos.
- Me desculpe por isso, querido. – e depositando um leve beijo na ponta do nariz perfeito ela se afastou virando-se apenas para lhe exibir um dedo do meio, com uma unha impecavelmente pintada de vermelho. – Você é um homem de sorte. Sinta-se privilegiado por permanecer vivo.
- Fodam-se os privilégios. – ele disse, com um tom calmo na voz.
Ela riu.
- Até nunca mais, policial.
E então foi embora. Sorrindo ao lembrar-se dos lábios dele nos seus e lamentando-se pelo fato de que não veria aquelas covinhas novamente."

sábado, 21 de março de 2015

Apresentação

Blog criado para todos aqueles que são apaixonados por leitura, assim como eu. Postarei alguns de meus contos e alguns poemas (talvez). O fluxo de postagens será ocioso e peço desculpas desde já. Mas espero que todos leiam e encontrem aqui um novo motivo para serem amantes da leitura.

beijinhos e abraços *-*